segunda-feira, 21 de maio de 2007

A bolsa e a dignidade

Governo após governo e se ouve: “A Previdência vai quebrar!”
E são apresentadas contas e criados vilões: o charada da vez são as pensões das viúvas.
Geralmente tudo resulta em nenhum aumento nos pagamentos devidos. Passa a época do aumento, todos os números voltam para a forma de banho-maria até que abril se aproxime de novo e se ache um novo vilão. Às vezes, como agora, manda-se uma mensagem de reforma para o Congresso, sabendo-se, de antemão, que ela sairá de lá tão desfigurada que só vai valer para daqui a décadas.
Mas, desta última marola em torno da Previdência, emerge, maciça, a gigantesca cara de pau de um governo que afirma fazer distribuição de renda concedendo os auxílios, que chamou de “bolsas”, através de um sistema eficiente na distribuição, mas absolutamente obscuro na fiscalização e de transparência opaca. Mas que acha demasiado pagar as pensões devidas a quem tem direito, demasiado pagar a remuneração justa para quem contribuiu e trabalhou a vida inteira para garantir a velhice, demasiados os auxílios que são concedidos após meses de perícias e análises técnicas impessoais feitas por dez, quinze pessoas diferentes dentro do sistema previdenciário.
De fato, para o raciocínio fisiológico, melhor dar e tomar, de forma arbitrária mas que garanta gratidões eleitorais, do que assegurar direitos. Melhor chamar o direito de privilégio, e esconder que a esmagadora maioria dos beneficiários das pensões e aposentadorias e auxílios e benefícios previdenciários não ganha mais que um salário mínimo. Existem uns dez por cento que ganham mais? Então, vamos nivelar por baixo! Afinal, no raciocínio fisiológico, não existem direitos e deveres: existe, tão somente, filantropia às custas do dinheiro dos outros.
O discurso pretende ser moderno: a classe média que use o sistema privado de previdência. A Alemanha é assim, a França é assado. Deviam citar os Estados Unidos: lá, os cidadãos desempregados têm seu sustento garantido pela Previdência, que sustenta, também, todos os que não podem trabalhar. Lá também existe previdência privada... só que é fiscalizada, controlada, e a estabilidade econômica permite que você contribua por trinta anos e tenha garantida a sua aposentadoria. Ninguém muda as regras no meio do caminho.
A prática, entretanto, é atrasada e rançosa: lembra governos imperiais, em que o César (caesar, czar, kaiser) da vez dava e tomava, os benefícios sempre dependendo da simpatia, da comoção ou da simples vontade. O mundo cresceu, e o César não pode fazer isso pessoalmente: a simpatia, a comoção e a vontade vai descendo os escalões até um funcionário público qualquer, que pode até ser um político, encarregado de verificar as condições de vida do peticionário (ou pedinte, tanto faz) – mas continuam sempre as mesmas simpatia, comoção ou vontade. Oriundas de César.
E, aí, tudo se justifica: a disparidade dos aumentos (três por cento para os aposentados, vinte por cento para a corte); os ataques sistemáticos contra os direitos consolidados; as dezenas de medidas apresentadas como “redução de deficit”, quando este deficit foi criado pelo próprio governo, ao longo do tempo: nos primeiros tempos, não pagando a contribuição patronal como qualquer outro empregador; nos segundos tempos, incluindo na Previdência a aposentadoria rural, sem qualquer tipo de sustentação econômico-financeira; nos terceiros tempos, abolindo a aposentadoria sem idade, o que leva o autônomo a começar a contribuir só quando completa trinta anos, visto que só poderá se aposentar aos sessenta.
Entre a bolsa e a dignidade, o governo fica com a bolsa. E ainda nos chama de cidadãos!

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