terça-feira, 26 de junho de 2007

Amigos

Ai de mim, se não fossem meus amigos!

Ai de nós, se não conseguimos ter amigos!

Mas o que faz com que selecionemos, entre tantos colegas, companheiros de atividades, conhecidos, vizinhos, parentes, aqueles com quem se desenvolve a amizade?

Alguns explicam que existe uma questão de pele: há que haver uma combinação química preliminar, de emissão e recepção de partículas, que faz com que aceitemos ou não um outro ser humano em nossas relações mais próximas. Mas essa questão é apenas preliminar: entre tantos quimicamente compatíveis, somente alguns serão os amigos.

Outros explicam que é preciso ter uma disponibilidade de dar, ou melhor, doar-se.

Ouvir, calar e falar; agir quando necessário; enfrentar dilemas internos na relação com o outro, dilemas geralmente resumidos numa pergunta só: e agora, o que eu faço?

Enfrentar esses dilemas é geralmente penoso, e, se não existe amizade, qualquer um foge deles. Só os amigos sofrem diante da pergunta: devo ou não dizer? devo ou não fazer? como é que será a reação?

Eu e os outros temos defeitos e qualidades. A amizade ajusta esses defeitos e qualidades, de forma a não colidirem. Eu desconfio que escolhemos nossos amigos pelos defeitos, não pelas qualidades – os defeitos que podemos suportar. Aí poderemos perdoar sempre, porque o defeito do outro não nos arrebenta a vida.

Durante muitos anos, interpretei o primeiro mandamento - “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” – no padrão do catecismo: o próximo são todos os outros. Depois descobri um outro ângulo: o próximo ser o próximo, mesmo, o sujeito que está ao lado, porque quanto mais próximo está o outro, mais difícil é amá-lo: mais expectativas temos em relação ao outro, mais dificuldades temos em perdoar, mais queremos receber dele. E eu, que achava esse mandamento fácil de cumprir, verifiquei que está em primeiro lugar na lista porque é o mais trabalhoso de todos.

Os amigos são os próximos que podemos amar com menos dificuldade. Por isso, eles são prêmio, um adicional de afeto que valoriza a vida.

Diferentemente da família próxima, onde existem responsabilidades socialmente demarcadas, a amizade é livre. O afeto entre familiares passa por exacerbadas expectativas, cobranças e esperanças; entre amigos, essas coisas são moderadas, e, por isso, amigos são como oásis para um viajante: reconfortam, refrescam, a gente sabe que ele estará lá na volta, mas não é necessário viver ali.

Mas são indispensáveis para que se viva.

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