sábado, 14 de julho de 2007

Todo político é corrupto?

Certa vez um psiquiatra me fez uma pergunta análoga: é possível exercer o poder e manter-se íntegro?

Eu lhe respondi que sim, e isto não é tão raro quanto se pensa. Poderia citar Pedro II, nosso imperador de muitos defeitos, mas cuja honradez jamais foi colocada em dúvida – e ele exercia poderes autocráticos. Poderia citar dois ditadores, com poderes semelhantes: Getúlio Vargas e Ernesto Geisel. Jamais tiveram a sua honra questionada – o seu pelourinho foi outro.

No nosso Congresso tão achincalhado, hoje há vultos como Eduardo Suplicy, Jefferson Peres, Denise Frossard, Pedro Simon e Álvaro Valle – cada qual de um partido diferente, e selecionei de propósito assim – de quem ninguém discute a seriedade. Sobre eles não pesa nem a sombra de uma suspeita.

A questão – disse eu ao psiquiatra – é que nós todos, humanamente, muito humanamente, nos deliciamos com um escândalo qualquer. E por isso é o escandaloso que ocupa a mídia. Mas, se Maluf se elegeu em São Paulo, Suplicy também veio de lá. Ou seja: há quem vote em Maluf e quem vote em Suplicy. Há quem vote nos dois. E este último é senador, enquanto o outro é apenas deputado. O eleitorado sabe o que quer...

Além disso, o exercício da política é intrigante. Em todos os sentidos: não só intriga as pessoas, como vive de intrigas. Em política, boato pode gerar fatos, e há os especialistas em boatos. Como Iago: uma suspeita aqui, outra ali, uma história mal contada em cima de um gesto mal interpretado – e as conclusões começam a aparecer. O intrigante fica na dele. Mas o fato está criado.

Mais ainda: política é como pista de patinação, skate, surfe. É uma arte de acrobacias vivenciais. Um político me disse uma vez, exasperado com um eleitor: “Você fez dez coisas pelo sujeito, deixa de fazer uma, pronto, lá vai ele para outro gabinete.” Queixa comum, essa. O que ocorre de fato é que o eleitor interpreta o não-feito, por quem sempre fez, como perda de poder. O político já não pode mais representá-lo...

Em que consiste um bom político? De que qualidades será ele feito? Essa pergunta raramente é feita; embora a maioria das pessoas julgue de pronto “os políticos”, e geralmente julgue mal, não se preocupa em definir o que é qualidade em política.

Como o político pratica acrobacias, ele tem que ser ágil. No caso, a agilidade tem que ser mental, por raciocínio ou intuição. Não existe atividade mais competitiva que a política - nem a esportiva é tão radical assim, competindo todos os dias, de manhã à noite - e por isso ele tem que tentar estar sempre um pouco à frente dos adversários. E os adversários podem ser os membros de outro partido, ou podem ser os próprios correligionários (como por exemplo, numa eleição), dependendo da ocasião. Como ele depende do voto, ele deve manter-se dentro da expectativa do eleitorado, o que significa que seus gestos e atos devem pautar-se pela opinião e demandas alheias. E, finalmente, ele precisa alcançar um número suficiente de eleitores, ou manter-se ao alcance deles, para poder atendê-los, o que significa estabelecer meios de comunicação contínua.

Esses são os parâmetros, as condições básicas, ou melhor, as condições limitantes.

São condições duras. Para enfrentá-las, o bom político deve ser um articulador – uma pessoa capaz de convencer os outros, inclusive seus pares, para seguir num determinado rumo; um bom ouvinte, para ser capaz de entender o que lhe diz a população e principalmente seus eleitores; ter criatividade suficiente para ultrapassar os impasses, ou para apresentar propostas novas; tomar cuidado com sua imagem, de forma a apresentar-se sempre pelo melhor ângulo; e, finalmente, arrumar seu plano de despesas a partir do seu eleitorado.

Tudo isto, no chão marítimo de uma sociedade em permanente transformação, na corda bamba das flutuações da opinião pública, e nas curvas radicais dos fatos sociais. E como a sociedade é plural, há lugar para tudo num Congresso Nacional: a virtude e o pecado estarão lá representados na mesma proporção que existem na sociedade. Combatendo entre si do mesmo jeito como acontece em toda parte. E incapazes de vencer, uma ou outra, porque, sempre, na nossa humaníssima insatisfação permanente, quando se consegue uma coisa já se quer outra, e, na política, o que se alcança vira passado, porque há sempre um novo problema para resolver...

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