terça-feira, 16 de outubro de 2007

Bem-intencionados


Dante os colocou no inferno, os bem-intencionados desastrados, as pessoas que agem de forma unilateral, intervindo e atrapalhando. Mas tradicionalmente eles são considerados como instrumentos do destino, do acaso, ou da vontade divina, conforme a crença ou falta dela. Mas há também os bem-intencionados que são prudentes e refletidos, mas que, mesmo assim, fazem exatamente o que não se quer que eles façam.

Por força de ofício, andei revirando algumas discussões sobre a segunda guerra mundial, e, particularmente, os ataques e defesas da guerra naval, ou seja – trechos do depoimento do Almirante Döenitz, em Nuremberg, de um lado, trechos de analistas aliados, de outro. Döenitz expõe suas ordens, perfeitamente lógicas dentro do ilógico da guerra, e os aliados expõem suas ordens, também perfeitamente lógicas dentro do ilógico da guerra. Não há, num e noutro lado, nada além de valores positivos dentro do contexto de uma guerra: patriotismo, ataque, defesa, técnica militar, uso dos meios ao alcance, destruição máxima dos inimigos. No entanto, na oposição dos mesmos valores, de um lado para outro, há milhares de mortos.

Por força de ofício, também tenho assistido o ir e vir de governos. Fracos, fortes, medíocres ou competentes, ditaduras ou democracias. Gore Vidal, no seu monumental “Criação” diz que a diversão do povo é escolher dirigentes para depois jogar pedras neles, ou expulsá-los das cidades a pedradas. Dirigentes, geralmente, estão cheios de boas vontades e certos de que interpretam a vontade do povo. Defrontam-se com um fosso entre a vontade do povo e o que é possível fazer; suas ações são geralmente engolidas neste fosso. Suas boas intenções colidem frontalmente com as boas intenções do povo. O resultado são as pedradas ou as ditaduras – sempre dedicadas a uma boa causa. Cheias de boas intenções.

Fazer o que? A crença de cada um rege as suas ações. As crenças, entretanto, são diferentes, e, apesar do diálogo, sempre possível para ajustar os modos de fazer, nem sempre pode-se resolver com palavras o que exige ações. Sobretudo o que precisa ter rapidez para ser resolvido.

Digo isto porque venho acompanhando, como sempre, as ações de governo que têm sido desenvolvidas por Lula e sua equipe. Eu não sei se ele, ou alguém de seu grupo (talvez Dilma Roussef?) leram alguma vez o “Breviário dos Políticos”, do cardeal Mazzarino (que, diga-se de passagem, foi o italiano que levou sofisticação para a França), mas o que têm feito ultimamente segue com a precisão possível da diferença de tempo, as recomendações do cardeal. Por exemplo: como entregar a cabeça de um poderoso aliado sem ir junto. O processo orquestrado por Lula e Dilma, no caso Renan Calheiros, foi um perfeito dever-de-casa do “Breviário”. Mazzarino levantaria uma de suas taças de quartzo transparente para, em silêncio, saudar o aluno.

Que, como o velho cardeal, também está cheio de boas intenções: a principal delas é manter-se no poder, seja essa ou não a intenção da maioria do povo.

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