sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A teia do aranha

John Romita Jr. estava certo quando idealizou sua cidade fantástica, por onde trafegava o homem-aranha e seu simbionte de uniforme negro. A cidade é plural e vertical: o ar puro do primeiro nível está muito longe da vida ao nível do chão. Nesta, geladeiras registram o movimento dos ocupantes das moradias reduzidas a um quarto, quase toca.

Talvez ele tivesse pistas do que as agências de segurança norte-americanas andavam fazendo, porque o homem-aranha em uniforme negro surgiu na década de 70. E, sabe-se hoje, a Agência Nacional de Segurança (o equivalente da CIA para assuntos internos dos EUA) faz espionagem eletrônica doméstica a torto e a direito. Faz de há muito; a coisa só veio à tona depois de um escandaloso conflito entre os advogados do Departamento de Estado e a Casa Branca, em que aqueles se recusavam a aceitar a tortura como método de interrogatório de terroristas.

Eles foram demitidos, e ordens secretas mantêm o que os americanos chamam de “técnicas brutais”, quando se referem a eles mesmos, e “tortura”, quando se trata de outros países. Em Guantánamo ou em prisões secretas dentro dos Estados Unidos, mesmo. Talvez num abrigo anti-atômico, quem sabe?

A cidade criada por Romita é terrível. Nela, o Estado é quase um ausente, e são os aparatos de segurança das grandes corporações que caçam, literalmente, os criminosos. Os sistemas de vigilância estão em todas as casas, disfarçados pela robótica, atendendo necessidades e coletando informações. É possível passar de uma cidade para aquela mais acima ou aquela mais abaixo, mas ninguém faz isso: como em Huxley, as pessoas estão satisfeitas em ser o que se espera que elas sejam. Além disso, as torres são planejadas para se bastarem a si mesmas.

Nela, o homem-aranha é uma anomalia, por ser um indivíduo com idéias próprias, e luta com o legal e com o ilegal indistintamente, porque na cidade de Romita, a violência é o nivelador comum de caçador e caçado.

Um dos grandes mitos do século XX, o Aranha simboliza a permanente recusa em aceitar ser apenas mais um. Na versão de Romita, deixa de ser um herói combatendo o anti-herói para tornar-se um poderoso indivíduo tentando viver conforme seus princípios. Ele é caçador e caçado, ao mesmo tempo. Coisa que a espionagem eletrônica, que lentamente se insinua na sociedade – primeiro as câmeras para fiscalização de trânsito, depois as câmeras para fiscalização de agências bancárias, a seguir os circuitos internos de vigilância, as câmeras nas lojas, agora a vigilância das babás e dos empregados domésticos – não admite, porque os caçadores deverão estar do outro lado do olho. Aos poucos, estamos nos tornando caça: como os estratificados de Huxley ou o rebanho de Matrix.

É isso que queremos para nós e para nossos descendentes?

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