quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Ah, os números!

“Eu não gosto de números!”

“Você pode provar qualquer coisa com os números!”

Vocês já devem ter ouvido essas frases, em algumas circunstâncias, principalmente quando, no meio de uma discussão, a pessoa começa a perder argumentos.

Para mim, essas afirmações equivalem a jogar uma toalha no ringue, admitir previamente o nocaute.

Porque são duas tolices monumentais.

Primeiro, todos gostamos de números, principalmente os que retratam dinheiro sonante, sejam onças ou araras, no bolso ou conta de banco.

Segundo, os pobres dos números são convenções indispensáveis para que possamos nos comunicar e nos entender. Conta-se que a geometria começou por causa das cheias do Nilo – todos os anos o rio enchia e tirava os marcos das terras de várzea, e a marola social que provocava era respeitável. A abstração geométrica surgiu para solucionar os conflitos agrários – alguns números, e os marcos voltavam para o lugar anterior, enchesse ou vazasse o Nilo.

Terceiro, quem diz não gostar de números não sabe o que está perdendo. Três letras e dois sinais fundamentam o universo, e é fantástico que o ser humano tenha descoberto, desenvolvido e escrito isso – através dos números. Quem não gosta de número não sabe do que eu estou falando – mas quem gosta, sabe.

A segunda tolice é pior.

O raciocínio exato só admite um resultado, e não é qualquer um. Matemática é ciência exata. Os números são exatos, exceto na filosofia, onde tudo é inexato, até a lógica. Quanto à estatística, ou ela é correta, ou não é. Se é errada, não prova nada, muito menos qualquer coisa. Se é certa, prova um só resultado – e não qualquer um.

A incompetência não está no número, está em quem os lê. Porque é preciso saber ler números, para poder entendê-los. Para uma criança de um ano, ainda sem noção de quantidade, enumerar não é contar: é dizer uma série de palavras. Um adulto que não consegue entender uma planilha está na mesma situação, diante de séries um pouquinho mais complexas.

Estou escrevendo isso hoje porque está virando lugar comum: qualquer aprofundamento de discussão política resulta nesse chavão, como se gostar de números fosse um absurdo. E há quem diga não gosta apenas para não discutir, para poder se dar ao desfrute de depois dizer que não sabe nada, não viu nada, não tem diploma e, por isso, não é culpado...

Além disso, é bom lembrar que Galileu foi posto na borda da fogueira por pessoas que não gostavam de números e não entendiam; que negar o conhecimento é negar a própria humanidade, e, com disse uma vez um sábio alemão, “onde se queimam livros, mais cedo ou mais tarde queimar-se-ão pessoas”...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Mais um

Caiu mais um avião em São Paulo.

Desta vez não foi um jatão, foi um jatinho.

Não foram cem mortos – mas foi-se uma família inteira, cujo chefe brincava sossegadamente com o neto presumindo-se seguro em seu lar.

Como Congonhas, o Campo de Marte fica entre duas esquinas de Sampa.

Sobreviveu uma adolescente, doente mental, agora totalmente órfã. O que será dela?
Com horrorosas queimaduras no corpo, sofrerá sem saber porque durante meses a fio.

Sofrerá depois sem saber porque, durante anos a fio, sua solidão sobrevivente.

Uma bola de fogo, caída do céu, levou todos os seus.

Caída? Não, enviada pelos irresponsáveis que controlam o tráfego aéreo no Brasil.

Dirigida para ali pela presteza burocrática em atender os interesses do bezerro de ouro.

Enviada, postada para esse endereço pela inércia burocrática em atender os interesses da maioria.

Caiu mais um avião em São Paulo.

E nem se fala mais nos problemas de Congonhas, quem se lembra disso?

E nem de pilotos tensos diante dos temporais numa pista traiçoeira – eles ganham para isso, não é mesmo?

E nem do bebê que morreu antes de nascer, no inferno criado pela colisão do airbus, e do bebê de nove meses que morreu desta vez, no colo do avô, queimado vivo.

Afinal, a quem interessa a vida desses bebês?

Os jatinhos das autoridades, indo e vindo do Campo de Marte, é que não podem parar. Custe o que custar em vidas de avôs, mães e bebês.

Afinal, como é que uma autoridade vai encarar uma hora de engarrafamento paulistano, se tiver que descer do avião em outro local? Isso é para a plebe ignara, não para quem já deixou de ser povo. A plebe rude pode morrer, mas a autoridade não pode perder tempo.

E São Paulo, que agora devora suas entranhas vítima do próprio gigantismo, não pode parar de crescer.