sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Desejo de Natal

Foi a Adelina Braglia, amiga de muitos anos, quem desencavou este Drummond, que mando agora para todos vocês, leitores, à guisa de votos de Ano Novo. Exceto o frango caipira e o bronzeado legal, seria, tim-tim por tim-tim, o que eu gostaria de viver em 2008. Como a medida do próximo é a nossa medida, e desejar o bem do outro é o bem que queríamos para nós, vai aí o Drummond inteiro para vocês – que podem alterar os versos que descouberem. Eu troquei – mas só para mim - o frango caipira por um peixe na brasa, e o bronzeado legal por uma bubuia no igarapé.

Desejo a vocês...

Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel

E muito carinho meu.

(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A conta da vergonha

As notícias dão conta de que o governo federal liberou mais de 700 milhões de reais para transferir para os Estados, cumprindo os compromissos que assumiu nas últimas votações realizadas no Congresso. São as chamadas emendas parlamentares, o dinheiro que é reservado no orçamento da União para atender pleitos localizados.

Fala-se mal, freqüentemente, dessas emendas, mas, embora elas tenham sua cota de distorções, elas são uma espécie de respiradouro, na rigidez imperial da administração federal brasileira – é através delas que se atendem pleitos pouco compreendidos, ou necessidades não enquadradas nos programas traçados de cima para baixo.

Elas são tão importantes que se tornaram uma conta de barganha poderosa. Em todos os níveis de governo, as emendas parlamentares só são liberadas pelo Executivo se o parlamento – Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa ou Congresso nacional – for cooperativo. Nenhum outro critério preside essas liberações. O dinheiro só sai para aliados de quem estiver ocupando o Executivo.

A barganha, como sempre, foi feita e não há problema nenhum para o governo federal descumpri-la, fazendo de conta que cumpriu: o exercício orçamentário está pertinho do fim, e os rígidos mecanismos das transferências voluntárias – os assim chamados convênios – impedem que a liberação das emendas seja real. Quem não conseguiu até hoje, dia 20, apresentar as papeladas certas, os projetos inteiros, as assinaturas todas, e a publicação no Diário Oficial, já perdeu a sua cota. A série histórica mostra que somente cerca de 30% das transferências liberadas em dezembro chega ao destino. O restante fica no governo federal, mesmo, morre com o orçamento.

Na barganha deste ano, grande parte do dinheiro transferido se refere a despesas previstas nos exercícios anteriores (2006, 2005) e que o governo federal estava devendo aos Estados, mas não pagou. Porque não pagou? Como diria a irmã Cajazeira, mistéeeerio! Na conta da barganha, ninguém liga se o programa ficou sem terminar, se a obra está pela metade ou se a necessidade obriga: a moeda é de troca, câmbio político, e é como se não houvesse uma população interessada no assunto.

Por isso é que a conta da barganha é a conta da vergonha, câncer de medula na estrutura mambembe da democracia brasileira. A patologia é clássica: desqualifica-se a emenda, dizendo que, como ela é parlamentar, ela é viciada pela corrupção; institui-se um mecanismo duvidoso em torno dela, que é a obrigatoriedade do alinhamento com o governo; deixa-se para cumprir no final do exercício, para, como a heroína de Shakespeare, cortar a língua sem verter o sangue; e, no final, dane-se a população – o poder é que é essencial. O dinheiro fica no Tesouro; a necessidade de sua aplicação que espere uma nova votação no Congresso.

É Natal, e quem é que vai querer saber dessas firulas orçamentárias?