quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Paixões: a inveja

Qualquer de nós que tem uma caixa postal na internet recebe, aqui e ali, notícias bombásticas, geralmente contendo protestos e denúncias, mas também com textos atribuídos a este ou aquele escritor. Muitos reproduzem imediatamente a notícia, tal o impacto. Mas com um pouco de calma, vai-se ver – e não é nada disso.

Muitos se espantam: porque alguém se daria ao trabalho de distribuir um texto atribuído a Luiz Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor ou Mário Quintana, os favoritos da falsificação? Ou porque a calúnia circula na rede como um vírus, às vezes em montagens elaboradas, como uma em que o autor se deu ao trabalho de montar uma página de livro em inglês, para dizer que os norte-americanos estão ensinando nas escolas que o Brasil é deles?

São calúnias de fácil desmentido. Basta se dar ao trabalho de conferir, o que a maioria não faz, porque não passa pela cabeça das pessoas de bem que alguém vá usar assinatura alheia para apresentar texto seu, visto que, aparentemente, não ganha nada com isso.

E aí é que é: ganha, sim, alguma coisa com isso. Ganha o prazer secreto que é a essência de todas as paixões. Ganha o silencioso contemplar de sua própria argúcia e inteligência, mesmo que ninguém mais saiba disso. Ganha o senso de divindade interior, mais valioso porque mascarado de humildade externa.

Imagino o prazer de um poeta bissexto, que consegue um texto razoável, fá-lo passar por Quintana e, ao ver as pessoas acreditarem, diz de si para si: eu sou tão bom como Quintana, apenas não tive a sorte dele. Não há necessidade de mais para satisfazer sua inveja, o mal secreto que, mais que qualquer outro, devora a felicidade e invalida todo e qualquer prazer que não seja seu alimento.

Porque a inveja é a paixão por si mesmo que ultrapassa o próprio egoísmo. Sartre a retratou em “Erostato”, um dos contos de seu livro “O Muro”, ao recontar o mito do homem que queimou uma maravilha arquitetônica apenas para que fosse lembrado pela humanidade. O Erostato de Sartre evita todo o contato humano, inclusive o sexual, para afirmar sua super-humanidade. Não é muito diferente da falsificação intelectual na rede: o contato humano a invalida, pois que o reconhecimento resultará na volta à vala comum, por um instante abandonada, mesmo em barco alheio.

Tradicionalmente a inveja é retratada como ocorrendo entre duas pessoas, e tendo o sucesso de uma delas como principal estímulo para o mal residente em outra. Mas, que me perdoe Arnaldo Jabor, que publicou recentemente uma crônica dizendo que somos um país de invejosos, o sucesso é apenas um estímulo - para o bem ou para o mal. Há muitas pessoas bem sucedidas que abrigam, em si, tanta inveja como qualquer anônimo – e muitas guerras de conquista se originaram exatamente nessa “razão de reis”, para estender seu império sobre todos os viventes.

Razão que matou milhões e milhões de pessoas, imoladas pela paixão desmesurada de um poderoso por si mesmo.

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