terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O cartão




Esse aí é o primeiro cartão de Natal que circulou no mundo.
Coisa de inglês – do império britânico vitoriano.
E de artista.
Henry Cole, fundador e diretor do South Kensington Museum (hoje Victory and Albert), de Londres, teve a idéia e mandou, em 1843, o pintor John Callcott Horsley preparar este cartão. Ele incluiu as felicitações (Merry Christmas e Happy New Year) – e o cartão virou febre. No ano seguinte, a lordeza aderiu em massa. E, nos anos seguintes, o império inteiro.
Cem anos depois, o cartão de boas festas era mundial. E, na primeira década do século XXI, tornou-se virtual, também.
Mas o cartão é só uma das heranças do império britânico, era vitoriana, que chegou até nós, ex-colonos portugueses. Há muito mais – a maioria das heranças recebida através da atividade comercial ou industrial.
Uma das mais visíveis está nos carretéis de linha. Pode conferir: até hoje a medida é em jardas, em jardas o carretel padrão (embora, por conta do código do consumidor, os carretéis já tragam o equivalente em metros). Outra, menos visível, mas bem mais permanente, é a estrutura da escola de massa, substituindo a pequena classe, ou o ensino individual pré-vitoriano.
Eu catei esse cartão de Natal na tentativa de ter algo a dizer. Como jornalista veterana e editora, escrevi sobre o Natal durante cerca de 20 anos. Cheguei à conclusão que o Natal é a festa coletiva da solidão. Cada pessoa tem o seu Natal mágico, que é seu marco, profundamente individual. Ela poderá estar numa ciranda, de mãos dadas, e mesmo assim só ela perceberá aquele instante. Muita gente procura repetir esse marco, alcança até outros, mas jamais ele se repetirá. Outros, escondem-no num feixe de obrigações; outros ainda, num estressante nervosismo. Há os que comem, há os que bebem, há os que caçam presentes e os que tentam tirar vantagem – mas todos buscam o instante feliz da noite.
Que pode até ser como retratou Horsley há 150 anos, pondo no cartão o ideal vitoriano de felicidade. Que é esse aí, mesmo: uma família em torno de uma mesa, e, do lado de fora, os pobres recebendo sua esmola. Tudo em seu devido lugar.
Percebeu mais uma das heranças?