sábado, 18 de julho de 2009

Conversa de cachorro

Percorro a internet e me deparo com uma página sob o título de “Amicão”: cães treinados para ajudar nas terapias de crianças com síndrome de Down, de idosos deprimidos e até de doentes.

Abro meu e-mail e uma apresentação em PPS me informa que nunca devo me distrair um cão-guia, nem me aproximar pelo lado errado.

Uma miçanga de Mia Couto desabafa: não sou eu o dono do cão, é o cão que me arrasta pela trela; eu lhe dou banho, comida e água, e todos os elogios são para ele; eu sou seu dono ou seu servo, afinal? – pergunta o escritor.

O Google me informa que a palavra “cão” tem 110 milhões de referências. O que, multiplicado pelos 6 mil idiomas falados no mundo (segundo a ONU) dá um número de arrepiar – principalmente considerando que a palavra “homem” só tem 48 milhões de referências, ou seja, menos da metade.

Uma vez vi, num castelo, dezenas de pinturas de cães de caça. Não eram cenas de caça, eram retratos, com o nome do cachorro inscrito na tela. Com assinaturas famosas, porque pinturas mandadas fazer por reis e príncipes. Eram retratos de favoritos ou de heróis – estes haviam tirado o patrono de algum aperto de caça.

Coisa pouca, se compararmos com os milhões de fotografias de cachorros que ocupam sites de relacionamento, porta-retratos domésticos, telas de tevê e até out-doors.

E coisa antiga, pois os cães de hoje não são a sombra do que eram antes. Porque, dos vertebrados modificados pelo homem, meu palpite é que só as galinhas e os bois tenham sido geneticamente mais alterados que os cães.

Um dos sites que visito contém uma longa lista de “raças reconhecidas” como tal e os respectivos padrões. Descubro que há cães que inevitavelmente sofrerão deste ou daquele mal, porque está inscrito na genética daquela raça. Cães produzidos especialmente para esta ou aquela finalidade – cruzados e recruzados para apurar determinadas características, ou eliminar outras.

Tenho a impressão que com a engenharia genética será mais fácil – ou mais terrível, dependendo do ponto de vista. Talvez até que um grande estúdio de cinema encomende e consiga um Cérbero de carne e osso, e o mítico cão de seis cabeças, guardião das portas do inferno, viva o tempo certo para rodar as cenas da travessia dantesca.

Tudo é possível quando se trata de humanos.

Até um concurso para saber qual o cachorro mais feio do mundo – the ugliest – e o vencedor é certamente inconteste: a língua é pendente, pelo lado da boca, o focinho fino é encimado por dois enormes olhos sob um tufo de pelos que parece uma crista. Nem por isso – seus donos são carinhosos e enchem de elogios o cachorro, cuja pele é rosada, com pelos esparsos e malhas marrons.

Dizem que nas cidades brasileiras há um cão para cada cinco habitantes, e a maior parte deles está nas ruas. E eu fico pensando porque temos cães e porque gostamos tanto deles – falo como coletivo, porque é muito raro encontrar alguém que deteste completamente os cachorros.

Muita gente afirma que os cães são companhia, amigos fiéis, ou são guardas, ou são colaboradores, etc etc. A meu ver, este é o lado nobre, racional e razoável de amar os cães. Penso que talvez haja o lado escuro da força: à falta de humanos e antes que cheguem os robôs, os cães suprem a demanda pelos escravos, usados para todas as finalidades que o bem ou o mal, gerados pelo cérebro humano, inventam.

E o leitor perguntará porque, afinal, estou com esta conversa de cachorro, agora.
Respondo: é porque, diante das cachorradas que estão fazendo Lula e Sarney, é melhor falar de cães.