domingo, 7 de agosto de 2011

A divisão do Pará

Estamos às vésperas de um plebiscito para dividir o Pará. E, talvez, seja oportuno refletir um pouco sobre essas questões separatistas.

Um passeio sobre o século XX nos mostra um mundo repleto dessa ansiedade política, particularmente na Europa e na África. Na maioria dos casos a separação se originou da quebra de organizações artificiais de Estados, retomando os povos seus caminhos antigos: foi assim na implosão soviética, com a emancipação da Georgia, Belorus, Casquistão e demais repúblicas sob domínio russo. Em outros casos, ainda na implosão soviética, foram destruídas fronteiras artificiais: foi assim no caso das repúblicas do Báltico, em que sérvios, bósnios, montenegrinos, tchecos e eslavos desfizeram a Tchecoslováquia e a Iugoslávia. Também fronteiras artificiais foram demolidas na África, dividida à força pelos países coloniais em meados do século: Burundi, Burkina Faso, Comores, Sudão do Sul. E alguns movimentos entram pelo século XXI: Chechênia, Cachemira, País Basco, Ossétia.

Componentes étnicos, religiosos e econômicos determinam, geralmente, o impulso separatista, quase sempre marcado por massacres. Esses componentes refletem, por seu turno, a incapacidade de repartir recursos e a intolerância com as diferenças culturais.

Essa incapacidade e essa intolerância, que são, de fato, os problemas a serem enfrentados pelos dois lados da separação, acabam fortalecidos no processo político e vão se rebater em profundidade no novo país. É assim na Georgia, às voltas hoje com dois movimentos separatistas e foi assim que o Burundi independente conseguiu ser o país mais pobre do continente africano.

Claro que o separatismo paraense não se compara com esses grandes movimentos divisionistas. De um modo geral, o separatismo brasileiro não passa de aspirações mais ou menos claras: as organizações paulistas, gaúchas e nordestinas se limitam a estudos e mais estudos sobre o assunto e jamais conseguiram sequer uma passeata consistente. O Pará não foge à regra: às vésperas do plebiscito, a discussão é politicamente correta.

Como não temos conflitos étnicos e nem religiosos, e nem mesmo opressão política, o componente principal do espírito separatista passa a ser o econômico: dividir para assumir completamente os recursos existentes, reter riqueza e viver melhor.

E isso, no século XXI, me parece no mínimo um anacronismo.

É só olhar em torno: nenhuma das repúblicas a sul, leste e oeste da Rússia dispõe livremente de seus recursos. A Europa montou uma verdadeira confederação: nenhum dos países do bloco pode decidir sozinho sobre qualquer recurso estratégico. Passo a passo, os países da Ásia e da América Latina se organizam: já há muitos itens, no Brasil como na Indonésia, onde a consulta prévia aos parceiros é mais que mera diplomacia.

Pode-se dizer: mas o governo, a capacidade de avaliar o sim ou o não, de representar o interesse local?

Três fatos recentes mostram a progressiva limitação dos governos num mundo cada vez mais globalizado: o virtual emparedamento de Obama no Congresso americano, o degelo cubano e o não-governo da Bélgica.

Obama viveu um impasse causado pelas relações globais em confronto com a política interna do país. Nenhuma saída, a não ser negociar. E os parlamentares cederam: primeiro a posição internacional, depois o resto. Se o país mais poderoso do mundo vive essa confrontação, imagine-se o que acontece com os outros...

No caso de Cuba, a suspensão dos subsídios que recebia da antiga URSS decretou a necessidade de uma rápida integração a outro bloco. Então todos os férreos princípios comunistas estão desaparecendo: mais dez anos e Cuba estará na economia de mercado, igual a todos os vizinhos. Com certeza não é o que a assembleia cubana ou Raúl Castro gostariam; mas é o que dá para fazer.

E, finalmente, a Bélgica: sem titular de governo há mais de ano, graças ao impasse entre valões e flamengos, continua funcionando quase normalmente. Não deixou de ser país e nem de ser Estado. O que, no início do século XX, promoveria instantaneamente uma intervenção de qualquer potência europeia, hoje é acompanhado com eficiente tranquilidade.

A esses limites impostos pelas redes globais, tanto políticas como econômicas, acrescente-se o verticalismo da estrutura do Estado brasileiro, em que a União detém 65% do volume recursos tributários – e ainda a totalidade dos recursos de subsolo e dos recursos hídricos. Pode-se ver facilmente que a margem de manobra de um governador de Estado, no Brasil, é extremamente estreita. Ele depende, fundamentalmente, da riqueza produzida no seu Estado para fazer-se ouvir. Quanto mais pobre o Estado, mais baixa será sua voz.

Um episódio ocorrido no Pará retrata bem isso. Trata-se da BR-422. Essa rodovia foi aberta com o nome de Transcametá, pelo governo do Estado do Pará, para integrar a região do Baixo Tocantins e permitir o acesso dos produtores rurais aos mercados maiores. Em 2002, diante das enormes dificuldades do governo em manter a rodovia, os parlamentares paraenses conseguiram sua federalização. Quase dez anos depois a estrada continua precária, sem conservação e sem asfalto em 195 dos seus 200 km. Em 2006 foi o governo do Estado que remendou a rodovia, para mantê-la aberta. De vez em quando, um protesto provoca novos remendos – e, nos intervalos, promovem-se rallies de jipes e motos.

Se o Baixo Tocantins fosse um Estado a estrada estaria asfaltada? Provavelmente, não. É só olhar as rodovias do Acre, do Amapá, de Rondônia e de Roraima. A frágil economia desses Estados amazônicos não sustenta suas reinvindicações. E, quando há cortes nos orçamentos federais – o que frequentemente acontece – são os recursos destinados aos Estados com menor população os primeiros a serem sacrificados.

Além disso, a divisão tem-se mostrado ingrata para os novos Estados: Goiás tem o 9º. Produto Interno Bruto brasileiro e sua população muito mais recursos que a do Tocantins: sua renda média é a 12ª do Brasil, enquanto que a do vizinho estado é a 16ª. O PIB do Tocantins é o 24º do Brasil. Pior que ele estão apenas o Amapá, o Acre e Roraima – não por acaso, na Amazônia. No Mato Grosso, verifica-se situação semelhante: enquanto o Mato Grosso ostenta o 14º PIB brasileiro e a 7ª renda média do país, o Mato Grosso do Sul tem o 17º PIB e a 11ª renda média.

O PIB do Pará é, hoje, o 14º do país. O PIB per capita é o 22º - o que significa um patamar pronunciado de pobreza. E, ao contrário do que muitos pensam, são as regiões Metropolitana e Nordeste do Estado que distribuem riqueza para as demais. Segundo o PIB dos municípios, divulgado pelo IBGE em 2009, dentre os 14 municípios de maior produto do Estado, Belém, Barcarena, Ananindeua e Castanhal somam 15% do PIB do Estado, enquanto que Marabá, Parauapebas, Tucuruí, Paragominas, Canaã dos Carajás e Redenção somam 8% e Santarém, Oriximiná, Itaituba e Altamira, apenas 3%.

Ou seja: se houver divisão, os residentes nos novos Estados vão ficar imediatamente mais pobres, porque o fluxo de receita que sai da região mais rica vai ser interrompido. Pior é que isso não quer dizer que os paraenses remanescentes vão melhorar de vida: haverá uma redução de receita e uma fase de desequilíbrio que vai ser dura de superar.

Os governos novos, cheios de limites, como já disse antes, pouco poderão fazer para se contrapor à pobreza.