segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A divisão do Pará (III)


Volto aos tópicos, para comentar alguns aspectos da discussão travada.

De saída, uma frustração

Eu não acho que a publicidade seja a alma do negócio, mas que ela apresente um produto. Qualquer produto – seja bem de consumo, seja ideia, seja causa. A publicidade política transmite muito mais do que a mensagem que se dispõe a viabilizar. Ela é uma carta de apresentação: forma, mídia e conteúdo compõem um todo que informa o eleitor sobre as ideias, a competência, a inserção social, a modernidade, a viabilidade do que está sendo proposto, seja um candidato, seja um assunto. A publicidade política pode gastar pouco e ser extremamente eficiente, e vice-versa: diferentemente de um bem de consumo, ela tem um conteúdo nobre, a ideia.
A campanha divisionista poderia ser tudo, menos vazia, como está sendo. O conjunto que está sendo apresentado revela a falta absoluta de um projeto político, que reúna as ambições administrativas e sociais. Frustrante.

O prato de lentilhas

Conta a Bíblia que Esaú, o filho mais velho do patriarca Isaac, deveria receber do pai toda a herança: terras e bens. E, num certo dia, como queria comer e era impaciente para esperar a comida, trocou tudo com o irmão mais novo, Jacó, por um prato feito, um prato de lentilhas.
A falta de projeto e o desconhecimento manifesto que as regiões separatistas têm das outras regiões do Pará me conduzem a esta analogia. Até agora, as diferentes regiões paraenses sustentaram-se umas às outras. Dos tempos coloniais até hoje, sucessivamente, o Marajó, o Nordeste Paraense, o Sudoeste, o Sudeste forneceram os meios para que o Pará, inteiro, enfrentasse e superasse as muitas crises brasileiras, enquanto que outros Estados mergulhavam na insolvência, porque, exceto São Paulo, nenhuma outra capital brasileira é como Belém: um eixo irradiador que, ao mesmo tempo, é o pilar de sustentação do seu Estado. O que a divisão oferece é um prato de lentilhas: mais estrutura administrativa sacrificando a riqueza real.

Os limites da pobreza

Uma reportagem de domingo na televisão tentava responder a uma angustiante pergunta de milhares de pais: “Como vou ajudar meu filho se ele sabe mais do que eu?”. Aponto esta frase sem entrar no mérito dela, mas tão somente para mostrar um dos limites que a pobreza impõe, para além do simples acesso aos bens de consumo.
No caso dos governos, cujo financiamento é feito com impostos arrecadados, a pobreza impõe um limite claro: não tem produção, não tem imposto, não tem financiamento.
Desde 1988 que o Brasil vem tentando reduzir o desequilíbrio entre suas regiões, governo após governo. Neste quase meio século já se tentou de tudo: políticas de crédito subsidiado, transferência direta de dinheiro para a população, incentivos fiscais, abertura de fronteiras econômicas, agricultura familiar, megaempreendimentos, três Presidentes nordestinos (Sarney, Collor e Lula). No entanto, a pobreza impõe seus limites: cadê capital, cadê conhecimento, cadê iniciativa para transformar a tentativa em acerto? O desequilíbrio regional foi, de fato, reduzido, mas muito abaixo do esperado.
Alagoas continua com a menor expectativa de vida do país – hoje, 16 anos a menos que aquela registrada no Distrito Federal - e as maiores taxas de pobreza e de mortalidade infantil, segundo o IBGE (síntese dos indicadores sociais, 2010). Fala-se, lá, de “emancipação social e econômica”.
Porque falo de Alagoas? Porque Alagoas foi criado exatamente para enfraquecer o poderoso Pernambuco, no final da revolta constitucionalista, em 1817. Há quase duzentos anos a elite alagoana conseguiu a emancipação política. E há quase duzentos anos Alagoas tem alguns dos piores indicadores do Brasil.

O território e o tempo

Um território precisa ter o que fornecer para o hoje e para o amanhã. Sem isso, se esgota, e seus ocupantes terão que buscar a sobrevivência fora dele. Parte da crise europeia de hoje deriva desse esgotamento. Os europeus costumavam buscar recursos extraordinários pelo uso da força, dominando e colonizando outros povos e territórios. A festa acabou, e os Jeans, Fritzs, Enricos, Phillips e etc têm que se ver com suas terras esgotadas, vida selvagem quase inexistente, jazidas totalmente exploradas, ou seja: recursos naturais quase desaparecidos. Passaram a vender os bens imateriais – ciência, tecnologia, história. E sabem que isto é precário. Se olharmos para a Europa com atenção, poderemos tirar algumas lições dessa experiência milenar: a primeira é que, para sobreviver no século XXI, a Europa se reuniu, deixando de lado ódios seculares. A segunda é que a racionalidade no uso dos recursos naturais de um território – o que significa o uso de hoje deixando reserva para amanhã – é indispensável, sob pena do território se tornar tão pouco útil para sua população que ela cede parte do domínio dele.
O território fracionado tem pouco tempo, porque tem poucas reservas. E é exatamente isso, na contramão do momento histórico atual, que se está tentando fazer.