segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Propaganda

Dizque a propaganda é a alma do negócio. Alguns corrigem a palavra “alma” para “arma”. Eu penso que a alma do negócio é a qualidade (que, em alguns casos, envolve quantidade, também) ou, na falta desta, a ausência de concorrência. Ou o cartel.
Sendo arma ou alma, porém, eu queria saber quem foi que inventou algumas abordagens publicitárias tão repetidas que parecem mitos.
A primeira delas é a de que é gritando que se vende. Tem gente que põe treme-terra na porta da loja e tem gente que grita na televisão. Grita tanto e de tal maneira que ninguém entende o que dizem. Outra é a história do 99 centavos. Dizque a pessoa entende os 99,99 como abaixo de cem. E também porque a tabuada dos 9 é a mais difícil para dividir. Ambas as abordagens são traiçoeiras: operam bem no limite entre a boa e a má-fé, a zona cinza entre o legítimo e o ilegal. Talvez funcionem: mas, na minha cabeça, para funcionar como alma ou arma do negócio, a propaganda deve considerar o seu alvo. A inadimplência é, em boa parte, consequência dos atos de um consumidor iludido: a venda pode até ter batido recordes na saída da mercadoria, mas não se completou.
Entre esses mitos do limite da legalidade está a propaganda com asteriscos, abundante na internet e nos panfletos de bancos e cartões de crédito. Asterisco num anúncio é como letra quase invisível num contrato: leia, ou você vai se dar mal. Um dia destes peguei um panfleto que tinha um rodapé de oito centímetros em letrinha miúda só para traduzir os asteriscos da parte de cima. Em resumo, todas as vantagens apontadas tinham restrições, reservas e algumas de tal ordem que a vantagem sumia, devorada pelo asterisco.
Há uma outra abordagem mítica, também, só que inversa: palavras vazias ditas com uma solenidade que lhes dá idéia de conteúdo. Uma das mais recentes – e caras – é o mote da Caixa Econômica, “a vida pede mais que um banco”. É uma frase oca, porque é óbvio que um banco não resume uma vida. E o pior é que a única coisa que a vida quer de um banco, o respeito e a consideração, a transparência nas operações, a cesta tarifária justa, não tem. Em nenhum deles.
Nesse capítulo das palavras vazias destaque especial vai para a propaganda de celulares. Em sua maioria, alinham uma enfiada de siglas e números que o consumidor precisaria estar plugado num computador para entender o que diz o anúncio. O engraçado é que a compra do celular é decidida pelo tamanho do bolso: todo usuário tem seu sonho de consumo, mas raramente compra o que não pode pagar, tenha o celular os recursos que tiver. E muita gente escolhe o celular pela probabilidade de assalto: quanto menos desejável, melhor.
Curioso é o fato de que há muitos cerceamentos à propaganda: um dia destes estava olhando uma coleção de anúncios antigos que hoje não poderiam ser veiculados, por serem politicamente incorretos. No entanto, a proibição de publicidade de cigarros não lhes diminuiu a venda (e nem o contrabando). Todas as advertências colocadas nas latas de leite em favor do aleitamento materno não diminuíram as vendas de leite para bebês. Recentemente as revistas infantis foram obrigadas a identificar o material publicitário veiculado nelas. A medida não vai alterar as vendas, até porque cria um halo de honestidade em torno do anúncio. E um anúncio honesto é a melhor ferramenta de vendas que existe.

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