segunda-feira, 8 de julho de 2013

Reforma?

Desculpem-me os entusiasmados, mas o que está posto na mesa como reforma política tanto faz como tanto fez. Porque o problema crucial da democracia brasileira é equilibrar as desigualdades: as regionais, as econômicas, as culturais. O modelo de democracia das multidões, em vigor, que considera o voto individual como base única de construção política, não resolve isso. Pior: como o Brasil mantém-se imperial, isto é, com forte centralização federal, tanto normativa como tributária, estabelece uma hierarquia de prioridades que deixa ao Deus dará todos os espaços, geográficos ou sociais, onde há menos gente.
Falar em reforma política sem descentralização tributária e sem considerar os ambientes comunitários não passa de uma tentativa de amarrar a tanga curta demais do gigante, de forma que ela continue escondendo o que pede para sair porque está sem espaço. Ora, isto resulta num aperto, que tanto pode resultar no tecido arrebentado como na impotência nua e crua.
As propostas alinhadas são uma clara manobra oligárquica. Visam um ajeitamento, mais uma vez um faz de conta. Tratam do sistema eleitoral, não do sistema político. Têm a marca de Macunaíma. Senão, vejamos:
Financiamento de campanhas: uma das coisas mais bonitas do “tempo da política”, como denomina o povo o período de campanha eleitoral, é militante fazendo rifa, bingo e festa para arrecadar dinheiro. É gente de classe média tirando dinheiro do bolso para apoiar seu candidato. Eu já vi candidato gastando milhões de reais para perder eleição. As empresas são parte do tecido social, têm peso político específico. A contribuição é normal: tanto o militante como o empresário apoiarão quem pensar como eles. Eles não querem leis que os prejudiquem e querem – volto a dizer, tanto o militante como o empresário – acesso ao poder. O problema não é o financiamento da campanha, é a corrupção, o peculato, as máfias estabelecidas em torno da estrutura pública. Por isso, tanto faz como tanto fez se o financiamento é público, privado ou misto. Nenhuma mudança significativa advirá daí.
Definição do sistema eleitoral: José Sarney propôs em 1972 o voto distrital e recebeu um sonoro não. Ninguém entendeu coisa alguma àquela época. Talvez hoje entendam – mas todo mundo desconfia de lista fechada pelos partidos. Os partidos não tem crédito para fechar listas. Eles não passam de oportunos aglomerados de cidadãos com liderança. A legislação os obriga à transigência. Exige ideário, como se a política fosse uma coisa estática e o país não tivesse o tamanho que tem. Não é possível, no Brasil, um partido com meia dúzia de princípios pétreos e flexibilidade local. O resultado é um partido oficial e outro real – e a perpétua contradição em si mesmos. Mudar a forma de votar sem aumentar o peso do poder e da política locais tanto faz como tanto fez.
Suplência do senado: que coisa importantíssima, não? Os levantamentos recentes mostram que 80% dos suplentes simplesmente não existem politicamente. Os demais assumem as cadeiras. E daí? Não têm voto? Ninguém votou em José Sarney nem em Itamar Franco para Presidente da República. Este último era, aliás, um ilustre desconhecido para quase todo o Brasil quando assumiu. Mas a questão é que tanto faz como tanto fez suplente de senador existir ou não existir. Não reforma nenhuma política.
Coligações partidárias: se não houver coligação partidária haverá coalizão governamental. E aí dá no mesmo. Ninguém pode governar com minoria. As eleições parlamentares têm o maior índice de votos nulos e brancos em qualquer pleito, e um significativo volume de votos dados somente para as legendas. Na última eleição, para vereador, em Belém, 37,5% do eleitorado apto a votar simplesmente se recusou a escolher candidato. Muitos deles, entretanto (7,3% dos que compareceram) votaram em legenda, geralmente para permitir maioria parlamentar ao seu candidato a prefeito. Essas proporções provavelmente se repetem em todo o Brasil. A votação nominal abrange, pois, menos de 70% do total de votos. A coligação permite o alinhamento antes da eleição. Se não houver, o alinhamento virá depois, pela coalizão. Por isso, a reforma proposta é de superfície.
Voto secreto no parlamento: discutir isto é uma vergonha. O voto parlamentar é um voto de contingência, e, às vezes, também um voto de consciência. Somente às vezes, porque o parlamentar é um representante, ele não está votando por si mesmo. Seu voto é parte de uma equação política. Ele deve votar afinado com seus eleitores e ajustar isto com o alcance político da votação. Se sua consciência divergir daquela dos seus eleitores, ele terá que convencer estes da justeza do voto para poder manter sua representatividade. Então, para efeito de reforma política, discutir voto aberto ou secreto no parlamento é secundário – o importante é saber o que os eleitores querem de seu representante.
A discussão sobre coisas secundárias só interessa à oligarquia. Uma boa reforma política teria que começar pela partição equilibrada dos recursos oriundos dos impostos (mas, aí, como fazer obras faraônicas?); prosseguir pela inclusão, no exercício parlamentar, das associações civis, de forma mais construtiva, não mais como barulhentos denuncistas como hoje; reduzir a interferência da União na execução local, permitindo o ajuste dos investimentos à realidade; adequar a velha lei de licitações aos tempos da eletrônica e da informática, e disciplinar melhor a execução de serviços e as despesas de custeio, em que ela é clamorosamente falha.
Se houvesse um plebiscito perguntando para a população se concorda em que Estados e Municípios devam receber mais da metade do total da receita dos impostos, a resposta seria positiva e quase unânime. Acompanhada de festa.