segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Mais médicos: algumas perguntas

Bem, o governo queria os cubanos e os cubanos vieram.
Por conta desse contrato o Brasil vai transferir para Cuba R$1 bilhão, aproximadamente, em quatro anos. O aluguel de médicos é hoje a principal fonte de renda de Cuba. Há cerca de 17 mil deles desempregados lá – pelo menos é o que diz o governo cubano. Então, se faltam médicos no Brasil, se sobram médicos em Cuba, junte-se comida à fome e tudo resolvido. Assim pensa a ONU, assim pensou a Organização Panamericana de Saúde, a OPAS.
Mas há um bicho-grilo plantado na minha cabeça com essa história. Aliás, alguns deles cricrilam sem parar. Aí eu tenho que perguntar.
Em 31 de janeiro de 2012 o Brasil firmou com Cuba uma dúzia de documentos, dos quais dez foram ajustes aos acordos de cooperação já existentes, alguns deles na área de saúde e biomedicina. Esses documentos podem ser consultados nas páginas do Itamarati. Um dos ajustes me chamou atenção: trata de pesquisa clínica sobre câncer. O Instituto Nacional do Câncer apresenta o ajuste na sua página na web como um passo para o desenvolvimento de alguns tipos de medicamentos e outro passo para a inclusão da rede de laboratórios de Cuba na rede de pesquisa brasileira.
O bicho-grilo na minha cabeça pergunta: porque nessa oportunidade não entrou em pauta a contratação dos médicos? Não será porque a candidata à reeleição navegava em águas tranquilas e não havia necessidade de socorrer o povo?
Eu não sei responder, e o bicho-grilo pergunta de novo: existe ou pode existir alguma relação entre esses médicos cubanos que chegam e a pesquisa clínica para medicamentos? Alguém examinou esse assunto? Os médicos cubanos poderão participar livremente no Brasil de pesquisas clínicas para os seus laboratórios? Eu não consegui descobrir a resposta.
Nas listas de municípios apresentadas pelo Ministério da Saúde, o Pará aparece com quase todos inscritos, 79 municípios considerados prioritários e, finalmente, 24 selecionados. Destes 24, Ananindeua, para onde vão três médicos, e Benevides, para onde vai um médico, não são prioritários. Essas listas levaram meu bicho-grilo a perguntar, primeiro, o critério de prioridade. Porque não foi a pobreza absoluta nem a demanda reprimida que escolheram esses municípios, ou todos os polos regionais estariam incluídos – e só Santarém e Bragança estão – ou todos os municípios mais pobres estariam, e vários, como Abel Figueiredo, não estão. Bem, virão os cubanos, agora. Há 701 municípios brasileiros pedindo médicos, dos quais 55, os prioritários não escolhidos, no Pará. Mantida a proporção de 7% para a demanda, deverão vir para cá 280 médicos cubanos. A segunda pergunta é: quem vai distribuir esses médicos?
Eu não acredito que esse programa vá dar certo. Pelo menos para nós, neste Norte longínquo e desconhecido do Brasil, onde as distâncias se medem em dias de viagem, onde há sempre selva – ora de pedra, ora de árvores - e a infraestrutura de saúde é extremamente precária. Só lamento pelo bilhão de reais que vai para Cuba (meio bilhão até fevereiro do ano que vem). Como nós precisamos dele!
Quanto ganharão?
Um piteco na curiosidade nacional: quanto ganhará um médico cubano? Eu dei uma olhada na ONE, a Oficina Nacional de Estadisticas de Cuba, na publicação estatística de 2012. Lá, no capítulo de emprego e salários, revela-se que a remuneração média do setor é de 414 pesos – 995 reais, ao câmbio oficial do Banco Central de 27 passado. Alguns depoimentos, em outros espaços na rede, falam de uma remuneração de 650 pesos – R$1.500,00, pela mesma taxa cambial do BC. De qualquer forma, considerando que o salário mínimo em Cuba (o que depende do setor) é de 350 pesos, o salário não vai ultrapassar os 700 pesos o que, mesmo somados aos bônus em moeda forte dados pelo governo, poderá chegar aos R$2.000,00.
Ontem foram disponibilizados os documentos referentes ao acordo com a OPAS, a Organização Panamericana de Saúde. Está previsto o pagamento de bolsas (cláusula segunda, item II da alínea (o)). O programa é específico para os médicos cubanos, que terão direito a moradia, transporte, especialização de três anos prorrogável por igual período em universidade pública (pelo jeito, Cuba não é tão boa de medicina assim; e é esquisito isso, porque o programa é previsto para durar 4 anos). O plano de trabalho do acordo prevê somente 4 milhões de reais para serviços de terceiro, pessoa jurídica, contra R$469 milhões de pagamentos a pessoa física. Como é que a OPAS vai passar esse dinheiro para o governo de Cuba? A legislação brasileira não permite terceirização dos pagamentos previstos para pessoa física. Além disso, o orçamento cubano para 2013 (pode ser visto na mesma ONE) prevê uma entrada de aportes não tributários de 12,8 milhões de pesos – algo em torno de 30 milhões de reais.
O que está no papel é diferente do discurso feito. O que está no papel é que os pagamentos dos médicos vão ser feitos no Brasil. Anteontem, a ministra cubana disse que os médicos receberão entre 40% e 50% da bolsa. Ou seja: deverá ser feito um desconto em favor do governo cubano dessa metade de bolsa. Uma conta simples com os números que estão no plano de trabalho do acordo com a OPAS chega a R$10.000,00 por médico. Eles vão receber o contracheque com o total mas só a metade do dinheiro na conta. A outra metade vai para Cuba. O plano prevê cumprimento de 45% neste ano, ou seja, 1.800 médicos. Pelo sistema de desconto, Cuba receberá 21,7 milhões de reais (se descontar 50%; se descontar 60%, será mais), cerca de 10 milhões de pesos, segundo a conversão de moeda do Banco Central. É quase todo o aporte não tributário previsto em seu orçamento para 2013.
Então os médicos vão ganhar uma bolsa de cerca de 5 mil reais e uma remuneração em pesos equivalente a R$1.500,00.
Marx deve estar se retorcendo no túmulo com semelhante aluguel da força de trabalho em seu nome...