domingo, 23 de fevereiro de 2014

O semeador


Em memória de Carlos Coimbra

Na solidão pastosa da palavra mergulhaste teu passo,
ó Semeador!
E nas frias madrugadas milenárias
atirastes cintilantes sóis
estrelas azuis explosivas,
cadentes serpentes de sabedoria
que rasgaram o negrume,
perfuraram a treva, envenenaram o mal.

No terreno pantanoso das ideias estendeste teu braço,
e semeaste as pedras necessárias para abrir caminho
entre as figuras embuçadas no lodo
espantadas,
agarradas a velhas raízes apodrecidas.

Não percebeste as flores
que nasciam em tuas pegadas
nem o espraiar da palavra candente
brotando chamas,
nem sequer os caminhos que venceram
o pântano traiçoeiro,
por onde outros trilharam.
Não te voltaste.

Colheste, recolheste e selecionaste as sementes
que distribuías a qualquer um, a quem quisesse,
indiferente ao que seria feito com elas,
esperando entretanto que um dia 
revelassem seus segredos
iluminassem novas trevas,
sombreassem novas canículas,
embelezassem novos jardins,
e consolassem novas pessoas.